sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Paródia ao "Poema das sete faces"

Morando há um mês em Paris, começo a entender a França. E vejo que os problemas são quase os mesmos, aqui agravados pelo olhar racional dos europeus e os vários séculos de história que nos separam do “velho continente”. Isso se faz presente nas construções; no desenho e utilização da cidade; nos transportes públicos; na enorme preocupação com a preservação do meio ambiente (são várias as campanhas na mídia a respeito de reciclagem, energia solar e soluções para economia de água, energia etc); na saúde e aposentadoria  e – claro – na segurança pública (hoje quarta-feira é o dia que a polícia de Paris testa os avisos sonoros de situação de risco ou catástrofe. Das escadarias da Sacre Coeur pude ouvir todos os avisos tocando ao mesmo tempo. Ainda bem que era teste e estava tudo certo... Ainda bem! Mas, é incrível morar em uma cidade que testa avisos de ataque terrorista).
A telefonia celular aqui também é a campeã de reclamações dos usuários, com altos índices de insatisfação. Continuo brigando com a ORANGE!
A popularidade de Sarkozy nunca esteve tão baixa e a disputa pelas próximas eleições é cheia de estratégias, interesses e discursos bem construídos, com posições extremamente bem definidas e com possibilidades de mudança bem radicais.
Há um mundo de gente dormindo nas ruas.
Há jovens se suicidando em frente à webcam.
Há pessoas no interior da França morrendo sob os efeitos de uma nova droga, que está sendo chamada de “droga do crocodilo”.
Os ataques terroristas (ou atos extremistas) continuam rondando.

Há uma crise enorme na Grécia, que começa a “espirrar” nos outros países da Comunidade Europeia. Nessa semana, os países do G20 reuniram-se em Cannes para definir o que fazer. A portas fechadas, Barack Obama, Angela Merckel e Nicola Sarkozy tentaram encontrar uma solução para a crise.

Em pesquisa recente, 65% dos franceses criticam e se preocupam com a dívida interna e o déficit público francês. Prova disso é que o governo, nesse momento, remodela a “arrêt de maladie” (os fajutos atestados médicos que os brasileiros apresentam nas empresas, facilmente conseguidos de maneira obscura), uma vez que 40% dos franceses se utilizam dessa possibilidade durante o ano. Pela nova regra, serão descontados 40 euros por mês (perfazendo um total de 480 euros anuais) – o que gera mais um enorme descontentamento da população.

As novelas brasileiras continuam sendo sucesso total na tv francesa! É engraçadíssimo ouvir os atores (e atrizes) brasileiros(as) que tanto amo, serem dublados por franceses. Como exemplo, a voz que a Christiane Torloni recebe numa dessas novelas – é hilária.
Continuamos sendo explorados. Agora, é uma outra exploração: a exploração cultural. As novelas são produzidas no Brasil, sob a égide da REDE GLOBO, de todas as indiossincrasias que contornam o “mundo das celebridades” e do imaginário coletivo que vêm sendo construído, desconstruído, informado, discutido e “fazendo o povo viajar” - no que diz respeito à história brasileira recente e suas relações com a teledramaturgia nacional.

Aliás, durante esse mês, referindo-me novamente ao Brasil, a única vez que nosso país teve destaque no noticário francês foi quando os índios invadiram a Barragem de Belo Monte (PA). Em suma, o Brasil não é notícia na tv francesa.
Somos referência cultural, de folclore e identidade, mas não estamos na agenda setting europeia. A Europa está discutindo outras coisas!

Isso sem contar, os enormes problemas de migração que a França vive – quase todos os dias presencio “bacolejos” enormes da polícia francesa em estrangeiros sem documentos.
O trânsito é um caos!
O metrô é lotado.... Por outro lado, é maravilhoso poder cortar uma megalópole em minutos.



Mas, esses são problemas de primeira ordem... visíveis a olho nu.
Há ainda os problemas de identidades - uma das características da pós-modernidade e que aqui são extremamente fáceis de serem observados.
As tribos (Maffesoli) se tornam cada vez mais detectáveis, cada vez mais unidas, melhor definidas.
A cidade se tranformou numa grande rede de tribos (Maffesoli), que se encontram, se reconhecem e constroem juntas o seu “universo paralelo”.
No metrô e em todos os lugares, as pessoas estão com seu iphone, conectadas, ouvindo sua música, falando em várias línguas. Cada um no seu ritmo...
E eu também estava assim. De repente, percebi que não estava ouvindo o barulho da cidade... a conversa das pessoas... o zunzum do metrô.
Percebi que – se não tomarmos cuidado – cada um vai construir seu mundo (e seus castelos) baseado naquilo que foi postado na internet.
FACEBOOK é fenômeno na Europa.
Em todos os lugares há alguém conectado nele.
As pessoas não te pedem mais telefone, elas pedem seu facebook.
De repente, o facebook tende a se tornar mais importante que a realidade.
Estamos buscando na internet o que não encontramos mais no amigo, no ombro disponível, na conversa despretensiosa do bar da esquina.

Ao mesmo tempo – e diante disso tudo – tenho a honra de morar numa cidade que é esquina do mundo. Que lança moda e conceitos...
Estar nessa “esquina do mundo” é descobrir novos sentidos para a vida.
Morar sozinho num outro país é aprender a “separar o joio do trigo” - a todo momento.
É se jogar por uma cidade sem certezas...
É se jogar nas incertezas da cidade...
A única coisa concreta nesse momento é a indecisão... a coisa amorfa que a cada dia toma um formato novo.
A única coisa sólida é a certeza da mudança.
Um novo mundo se constroi baseado no classicismo, no funcionalismo, nos ideais econômicos, na caretice burguesaa, nas normas previamente estabelecidas, mas também e, peut être, no seu processo diário de retroalimentação ou de regeneração.
O Futuro não existe mais. Estamos nele!
Ao mesmo tempo, vivemos em dois tempos históricos: presente e futuro.
A ordem do dia é: cuide do seu mundo no mundo.
O universo está aí, pleno de possibilidades. Permita-se! Transborde!


Depois de ter escrito esse texto ontem, em uma brincadeira de ler poesias, encontrei essa.
Engraçado que eu já havia terminado o meu texto com a frase "Mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo...".
Mas quando li essa obra-prima do Drummond, percebi que falávamos das mesmas coisas.
Em épocas diferentes, em situações diferentes - tratávamos do mesmo assunto.
Incrível isso!
Jamais compararia minhas torpes linhas ao trabalho de Drummond. Jamais! Mas é engraçado perceber que o tempo passa e nossas vulnerabilidades continuam as mesmas...
Obrigado Drummond!

Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.


As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

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